Vivemos tempos de urgências e emergências que de certo modo exigem de todos nós decisões rápidas e assertivas na tentativa de evitar o mal maior. A Covid-19 trouxe a humanidade um desafio sem precedentes dada sua proporção e abrangência seja no aspecto da saúde e ainda no aspecto econômico que não pode ser deixado de lado, mas tratado como consequência da pandemia.
Como todos sabemos a declaração de calamidade pública como resposta à possibilidade de infecção generalizada de brasileiros trouxe uma série de medidas urgentes certamente em muitos casos necessárias, tendo como aplicação prática no meio legislativo uma quantidade enorme de Medidas Provisórias, Resoluções e Instruções Normativas.
Esta investida legislativa possibilitou o afrouxamento de alguns direitos visando o acondicionamento e melhor gestão do caos instaurado em nossa estrutura de saúde pública no que se refere à estratégia de atendimento de casos de infecção, bem como de suporte e ajuda às pessoas e empresas acerca do efeito colateral financeiro em detrimento da medida de isolamento social, questão já pacificada como obrigatória e indiscutivelmente necessária.
Contudo, na esteira das medidas emergenciais, alguns setores que não se prepararam adequadamente à realidade da proteção de dados pessoais e pressionavam a sua prorrogação pela segunda vez, insurgem com o falso cognato de que o Coronavirus é o grande responsável pela necessidade de uma nova prorrogação da vigência de nossa Lei Geral de Proteção de Dados.
Nunca é demais relembrar que nossa legislação já está em vacacio legis há quase dois anos e, por mais cientes que estivessem, alguns setores e empresas preferiram dar as costas ao cidadão brasileiro e seu direito de ter o domínio sobre seus dados pessoais, entendendo que é mais uma “lei que não pegará”, o que se demonstra uma prática lamentável em nosso país e um péssimo cenário a ser apresentado para nossa relações internacionais.
De fato, temos que fazer um parêntese e colocar as dificuldades encontradas para que as empresas se preparassem, principalmente pela inércia do Poder Executivo e Legislativo que não cumpriu com seu papel e sequer definiram as estruturas da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), inclusive com a recente notícia dada pelo Sr. Rodrigo Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, que prorrogou por 120 dias o prazo de funcionamento da comissão de juristas que elaborará um anteprojeto de lei sobre o tratamento de dados pessoais para fins de segurança pública, defesa nacional e atividades de investigação de infrações penais. (Clique aqui para saber mais)
Este ponto é nevrálgico e, para profissionais e estudiosos deste tema no Brasil no qual me encaixo, é um enorme desafio desenvolver projetos de conformidade sem as resoluções que a ANPD deveria já ter produzido há tempos. Empresas sérias se preocuparam e investiram esforços e valores financeiros para buscar tal conformidade, seja pela interpretação e estudo dos profissionais brasileiros, seja apoiado no direito comparado da aplicação das GDPR (General Data Protection Regulation – Europa).
Mas independentemente destes percalços, o que causa total estranheza e um certo “frio na espinha”, é vermos que os que pouco se preocupam com o cidadão brasileiro e seus dados pessoais, estão de maneira transversa avançando para perpetuar seu objetivo de usurpar os direitos previstos na LGPD para continuarem se beneficiando (sem retorno efetivo aos cidadãos) de tais dados. Isto se observa pela proposta de Projeto de Lei do Senado Federal nº 1179/2020, que a despeito da pandemia apresenta a instauração de Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) e que, dentre outras medidas propõe a postergação da vigência da LGPD para 36 meses após sua publicação, ou seja, passando a vigorar somente em 16/02/2021.
Contrário senso, a Covid-19 e o necessário isolamento social trouxe uma nova realidade às empresas que culminou em um cenário de maior risco à violações de dados empresariais e consequentemente pessoais, pela urgência de modificar a estrutura de TI destas empresas, que portaram suas equipes em home-office muitas vezes sem as ferramentas tecnológicas apropriadas. Neste contexto, verdadeiramente a proteção oferecida pela LGPD é desejável à sociedade da informação brasileira.
Setores já se organizam e protestam pela tentativa de mais uma prorrogação como vemos pelo manifesto realizado pela Coalização formada por 13 entidades do setor da Comunicação Social, composto por entidades como ABEND, ABRADI, ABERT entre outras (Clique aqui para saber mais).
Para estas entidades (e este autor corrobora com esta iniciativa), é um erro prorrogar a vigência e existe melhor remédio para garantirmos a proteção dos dados pessoais neste momento de crise e, ao mesmo tempo, não gerar maiores riscos para aquelas empresas que não estão preparadas para esta nova realidade. Uma das possibilidades está traduzida no PL 1164/2020, de autoria do Senador Álvaro Dias (PODEMOS/PR) que tem como objetivo estabelecer um prazo de 12 meses para aplicação das sanções previstas no artigo 52 da referida lei (Clique aqui para saber mais).
De fácil entendimento para todos que o Projeto de Lei acima atenderá os anseios dos dois atores envolvidos na aplicação da LGPD. De um lado, uma vez vigente a referida lei a partir de agosto/2020, os titulares de dados pessoais passam a ter maior controle e atendido os anseios dos cuidados quando tais dados são tratados desde já. Por outro lado, em que pese o prazo que se deu para as organizações se prepararem, mesmo aquelas empresas que não conseguiram finalizar seus projetos iniciados, não sofrerão sanções imediatas.
O que deve ser desejado por todos neste momento é não criarmos mais problemas para os cidadãos que já sentem diretamente as repercussões da pandemia com o cerceamento de seu direito de ir e vir, o perdimento de sua renda e emprego em muitos casos. Se estas medidas de prorrogação se concretizarem, é o titular de dados pessoais que perderá mais uma vez neste momento de dificuldades e concessões.
Estamos vivendo momentos difíceis sim, mas que trazem à tona o despreparo de muitos daqueles que nos representam e, mais uma vez a apresentação dos interesses de alguns em detrimento da sociedade como um todo. Acompanhemos esta “peça Shakespeariana”.
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