Temos visto no último ano notícias sobre a nova Lei de Proteção de Dados Pessoais brasileira (Lei 13.709/18) e a promessa de maior cuidado com nossos dados pessoais, utilizados sem medidas pelas organizações e quase sempre sem nosso conhecimento e/ou consentimento.
Apesar do aumento da repercussão nas mídias por se aproximar a data da vigência desta nova lei (que será em agosto/2020), a nosso ver os maiores beneficiados dela, quais sejam, os cidadãos, estão bem distantes desta realidade.
Pior, quando perguntamos às pessoas o que são dados pessoais, na sua grande maioria entendem que seriam somente os dados que o identificam diretamente (p.e. nome, RG, CPF etc.). Por óbvio desconhecem conceitos de big data que podem trazer unicidade de um indivíduo pelo seu perfil de consumo por exemplo.
Um bom exemplo são as redes de farmácias que sempre querem seu CPF para ofertarem descontos que já estão sob investigação do Ministério Público desde o início de 2019, realizada pelo promotor Frederico Meinberg que é coordenador da Comissão de Dados Pessoais do MP¹,
Não paramos para pensar, mas se nosso histórico de compras de remédios (comportamento) em farmácias fosse compartilhado com outros setores como plano de saúde por exemplo, seria possível por meio de análise deste histórico negar o acesso a um plano da operadora de seguro saúde.
Ainda, se compartilhado este comportamento de compra para uma empresa de financiamento, caso o indivíduo consumisse remédios que apontassem para uma brevidade de tempo de vida, a operadora poderia decidir não realizar o empréstimo pelo alto risco de não recebimento ou mesmo aumentar sua taxa de juros.
Em outro caso recente, a discussão volta a tona como podemos ver na notícia divulgada na coluna Link do Estadão² sobre a Rappi que está investindo alto na coleta de informações de seus clientes para ofertar serviço às gigantes como a Nestlé acessarem consumidores de forma direcionada e muito mais assertiva com maior possibilidade de conversão em vendas.
Certamente muitos consumidores perguntarão: "Mas como cliente sou obrigado a entregar dados pessoais (nome completo, CPF, endereço) para solicitar uma entrega, qual é o problema?". Atualmente, não temos nenhuma repercussão para a empresa que coletar dados como estes e compartilhar com outras empresas (inclusive recebendo para isto). Cabe então esclarecer que, a nova Lei traz direitos aos consumidores com o fim de deixar em suas mãos o controle total sobre todos os dados que disponibilizará para qualquer empresa. E neste exemplo (e aqui é realmente um dos tantos exemplos de uso de dados do consumidor e não uma crítica à Rappi), antes da vigência da nova lei a empresa pode utilizar os dados que a princípio são obrigatórios para garantir a formação da contratação do serviço, e ir além realizando o estudo de consumo direcionado, podendo efetivamente identificar potenciais preferências para vendas futuras e os consumidores.
Segundo afirmaram na reportagem:
Toda transação gera dados sobre os clientes, como aonde moram, o que querem e quando precisam.
(grifos nossos)
O armazenamento de hábitos de consumo é claro, vinculante e, neste momento sem a necessidade de consentimento/conhecimento do consumidor.
A repercussão deste tipo de uso dos dados com a nova Lei de Proteção de Dados Pessoais
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais traz novos desafios para as organizações que pretendem desenvolver este tipo de uso de dados pessoais. A partir de sua vigência, a empresa continuará podendo exercer sua atividade, coletando todos as informações comentadas, realizando o tratamento e análise dos dados que identificam direta/indiretamente os consumidores e até compartilhando com grandes marcas, mas respeitando novas regras.
Resta necessário esclarecer que a lei entende como dado pessoal toda e qualquer informação relacionada a pessoa natural que possa ser identificada ou a torne identificável³ (em breve, veja mais detalhes em nosso e-book de LGPD).
Neste sentido, se os hábitos de consumo são armazenados e vinculados ao consumidor, também devem ser tratados como dados pessoais em um olhar mais abrangente, reservados os estudos caso-a-caso da forma de uso e conexão com o consumidor. E, para utilizarem estas informações após a vigência da nova lei, a empresa deverá informar ao consumidor e exigir seu consentimento.
Também importante ressaltar que para utilizarem os dados de consumo visando o resultado que chamam de “melhor experiência” para seus clientes, deverão deixar claro em suas políticas de privacidade e proteção de dados o que efetivamente fazem com os dados, por quanto tempo armazenam além de solicitar o consentimento.
De outro lado, haverá ainda grande discussão sobre o legítimo interesse das empresas neste tipo de uso de dados pessoais, o que em muitos casos será uma justificativa legal para o tratamento deste tipo de informação. Esta justificativa, entretanto, requer um estudo aprofundado e bem embasado juridicamente para garantir que não sejam violados os direitos dos consumidores (chamados na nova lei de titulares).
O mais importante é que consumidores comecem a perceber e criar um senso crítico sobre esta questão e, questionarem o uso de seus dados indiscriminadamente, lembrando dos riscos de discriminações que poderão existir a partir das análises.
De outro lado, as empresas devem se conscientizarem que o tratamento de dados dos consumidores, se realizados com premissas como o respeito, a transparência e a preocupação em especial aos resultados prejudiciais aos verdadeiros donos dos dados, alcançarão um equilíbrio onde todos ganham.
Se aproxima o momento em que as empresas só terão acesso aos dados pessoais caso se adequem a LGPD e criem novos mecanismos para que os consumidores percebam além da “melhor experiência” oferecida pela empresa, também enxerguem que as regras previstas na nova lei e suas garantias foram cumpridas, evitando excessos e violação dos dados pessoais.
Comments